domingo, 3 de março de 2019

CONTOS | Minutos de clarão

Chuva depressiva. Casa perigosa. Andréia estava só. Já tinha se emboletado, mas não conseguia dormir. Lá fora, o mundo caía. Dentro, também. Andréia não suportava mais seus empregos. Tampouco o marido e a família. Muito menos, ela mesma.

Ela não sabia no que pensava. Não conseguia pensar. Quando pensava, eram relances, coisas esparsas, loucuras. Os trovões e raios do temporal simbolizavam bem a mente de Andréia. Flashes, sustos, minutos de clarão.

Não fazia muito, a mulher tinha abandonado a terapia. Com a morte dos pais e as desculpas do marido sobre traição, o surto havia aumentado. Ela não sabia se vivia na realidade. Sentia que não fazia falta. Era um estorvo. Faltavam-lhe razão e ilusão.

Foi até a cozinha. Fez um chá. Tomou-o com mais duas boletas. Sentou-se na sala. Começou a fazer planos:

“Enlouqueci? Sim. Perdi a vida? Não. Próximo passo traçado então”.

Calçou os tênis, tirou os óculos, saiu. Queria sumir. Por um tempo. Para sempre. Tanto fazia. O importante era iniciar.

(...)

O marido procurou Andréia. A família também. Dias depois, foi encontrada num terreno baldio, atrás de uma escola. Na página policial, apenas um bilhete foi achado em um dos bolsos: “Meu diário ficou na gaveta”.

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