Guillermo del Toro, com aquela devoção enorme e quase religiosa por monstros, fez em “Frankenstein” algo que Mary Shelley já sussurrava e que nós fingimos não ouvir: a criatura não é um erro, é um espelho daqueles que devolvem a verdade sem filtro de beleza.
O monstro nasce de pedaços. Mas sejamos francos: quem não? Depois de ter visto o filme, o qual está disponível no catálogo da Netflix, passei a refletir sobre ele como um todo, não apenas como uma releitura do livro e de outras películas passadas.
Também somos um mosaico malcomportado de tudo o que tocou nossa vida: as decisões que tomamos por impulso, os medos herdados, as cicatrizes de quem nos amou mal, as lembranças de quem nos amou corretamente, os erros familiares, etc. Nada em nós é puro ou original. Somos editados, costurados com linhas de afetos e grampeados com traumas que superamos (ou fingimos ter superado).
A diferença é que o monstro de Del Toro nada tenta disfarçar. Ele exibe a costura. Nós, não, passamos a vida inteira nos debatendo para esconder pontos soltos, como se vulnerabilidade fosse defeito de fabricação e demonstrasse fraqueza. Ironicamente, é isso que nos aproxima ainda mais da criatura: vivemos com a sensação de que estamos sempre fora do lugar, sempre tentando provar que merecemos existir, sempre acreditando que, se alguém olhar perto demais, verá a colcha de retalhos emocional que somos.
No fundo, a verdade incômoda é simples: somos todos um pouco o monstro de Frankenstein, carregando dentro de nós pedaços de gente que passou, de dores que ficaram, de memórias que insistem em retornar. E se há algo bonito nisso, é que, apesar da colagem imperfeita, seguimos caminhando com nossas cicatrizes, nossos retalhos e uma estranha persistente em pulsar, mesmo quando o mundo diz que não deveríamos fazer isso.
Será que Del Toro sempre soube que o monstro só parece assustador para quem ainda não aprendeu a se enxergar? E nós sabemos? Nossos pedaços souberam? Vamos pensando...

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