domingo, 18 de novembro de 2018

CONTOS | Quase uma visita


Em casa, tomando seu achocolatado com leite bem quente – fervido no fogão, e não esquentado no micro – ela só pensava em visitá-lo. Sentia que queria. Queria sentir. Tudo junto. Mas chovia. E chovia muito. Era uma sexta, já nove da noite. “Vou? Será?” Antes de pensar, já decidira.

Saiu sem casaco. Uma blusa já desbotada, uma calça jeans justa, sapatos de salto “Luís XV”, como dizia uma amiga, sem sombrinha. O cabelo desgrenhado (com a chuva, ficava pior) ressaltava a oleosidade. Ela nem dá bola, nem para ela, nem para os curiosos que a olhavam passar. “Vão se ferrar, idiotas!”

Assim foi caminhando por 45 minutos. Ou foram 50? É que atolou o salto e levou um tempo a ajeitá-lo. Na frente da porta, hesitou: “Bato? Volto?” Segundos de silêncio antecederam a série de batidas fortes (a campainha estragara). Bateu, bateu. Quis chorar. Bateu de novo. Quando ia dar um soco, ouviu barulho de chave. O rosto dele era de desaprovação total. Pudera: ela um trapo vivo ali, o que ele pensaria? Bem, ele baixou a cabeça, fez um sinal com a mão (indecifrável para ela) e cerrou a porta.

Ela sentou no chão, com as costas doloridas escoradas na porta fechada contra ela. Chorou. Lavou-se mais do que a chuva o fizera. Dez minutos seguintes (ou 15?), levantou-se, um pouco cambaleando, foi para a rua, não para a calçada, sequer viu o caminhão enorme.

Acordou. Tinha muita luz. Gente ao redor. “O que é isso?” Quis levantar, não conseguiu. Começou a falar (...) Falou de novo (...) Gritou (...) Nada.