quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

CRÔNICA | Fim do ano, ou fim do mundo?

A cada dezembro, acontece um fenômeno curioso, quase antropológico: as pessoas não encerram o ano, elas entram em colapso. O calendário avança um número e, de repente, a humanidade passa a se comportar como se estivesse evacuando o planeta.

Há pressa em tudo: no trânsito, nos mercados, nas farmácias, nos caixas eletrônicos e, principalmente, nas emoções. Todos parecem atrasados para algum compromisso invisível, como se o dia 31, à meia-noite, fosse acompanhado por uma sirene e um fiscal existencial, cobrando pendências da alma.

Os supermercados viram arenas. Carrinhos disputam território. Pessoas brigam por uvas passas. O frango natalino, coitado, é tratado como entidade sagrada: se acabar, acaba o ano junto.

Nas ruas, motoristas dirigem como se o asfalto fosse desaparecer em 48 horas. Não é pressa, é desespero. Setas são ignoradas, gentileza entra em recesso coletivo. Ninguém quer chegar rápido; quer fugir.

Na área afetiva, o surto é ainda mais sofisticado. Surge a urgência de rever pessoas que passaram o ano inteiro sendo ignoradas, enviar mensagens genéricas recheadas de votos grandiosos e promessas vagas de “ano novo, vida nova”. A esperança é terceirizada para o calendário, como se janeiro tivesse poderes terapêuticos (ou mágicos).

Há, também, o pânico das listas: metas não cumpridas, projetos abandonados, corpos não esculpidos, contas não pagas, livros não lidos, etc. Dezembro vira um tribunal, onde todos se condenam por não terem sido versões irreais de si mesmos. Há julgamento e culpa (muita).

No fundo, essa afobação não é sobre festas, compras ou retrospectivas: é medo. Medo de que o tempo esteja passando rápido demais e alguém esteja percebendo. Medo de encarar que a vida não se organiza sozinha, só porque o calendário muda. Medo de admitir que o ano acaba, sim, mas os problemas, hábitos e escolhas atravessam a fronteira sem pedir autorização.

Talvez, fosse mais honesto tratar o fim do ano como ele realmente é: apenas o fim de um ano, sem histeria, sem correria, sem encenação coletiva de que algo sobrenatural está prestes a acontecer. Aqui vai um "spoiler": não está.

O mundo não acaba no dia 31. Sua ansiedade também não. Ainda assim, caro leitor, desejo-lhe: boas festas...

Um comentário:

  1. Perfeito! A gente espera tanto pelas festas de fim de ano e, depois, reza pra passar rápido, para que a vida entre na rotina, novamente.

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