Dezembro sempre me soa como um convidado que chega tarde, pede desculpas demais e, ainda assim, faz questão de reorganizar a sala inteira antes de ir embora. As pessoas, coitadas, embarcam na fantasia coletiva da retrospectiva (gênero literário um pouco cansado, que só serve para lembrar que o tempo passa rapidamente). Se o tempo urge, o que podemos escrever no último mês do ano, além do tradicional textão de retrospectiva? Nesta crônica, abordo algumas ideias de escrita, as quais servem como desafios literários.
Que tal escrever um manual de sobrevivência às festas de família? Algo elegante, engraçado, descrevendo “técnicas” para contornar parentes opinativos, sorrisos forçados, demora para a colocação da ceia, etc. Coisas do tipo: “Sorria, respire e lembre-se de que a ceia acaba, mas sua paciência, talvez, não”.
Ou, então, na falta de assunto mais nobre, é possível redigir uma carta para o “eu” que ainda não conheci. Não o idealizado, mas o possível. Esta versão futura que já terá (quiçá) aprendido a negar convites sem culpa, a escolher batalhas com economia e dar um tempo no sarcasmo quando o afeto exigir prioridade. Uma carta para lembrá-lo de que o futuro não precisa ser épico, apenas digno.
Há, ainda, a possiblidade de um elogio ao trivial, a uma coisa simples da vida, como fazer mais silêncio do que conversar em dadas situações, ao fato de ter um tempo para o café da manhã, ao bom convívio familiar e no trabalho (se isso existir), etc. Você não precisa agradecer apenas quando compra um carro, um casa, ou quando viaja para longe.
E, por fim, dezembro nos inspira a fazer um inventário afetivo do que não merecerá lugar no próximo ano. Nada dramático. Apenas uma triagem civilizada: hábitos obsoletos, expectativas com prazo vencido, conversas que não levam a lugar nenhum, tudo encaminhado para descarte com a delicadeza de quem agradece pelo serviço prestado e encerra o contrato.
No fim das contas, talvez, seja isso: enquanto o mundo insiste em recapitular o que já passou, pode ser preferível lapidar o que ainda pode vir. Sem fogos de artifício, sem autoajuda. Somente a honestidade possível, embrulhada num papel pardo de ironia. Afinal, dezembro não precisa ser um memorial: pode ser apenas um bom texto.
A propósito, adotei o formato “retrospectiva em fotos” há alguns anos. Depois do Natal, vou publicá-la aqui.

Sempre, na veia! Amei!
ResponderExcluirUAU…. … e fiquei sem fôlego!
ResponderExcluirHá tanto, mas TAAAAANTO nessa pequena crônica, que vem como um empurrão para avançarmos naquele corredor estreito em que ficamos parados.
Poderia retirar pelo menos 10 (DEEEEEEEEEZ) frases que vem como um tapa na cara (não para ofender, mas para despertar)…
Eu, entre todas, vou sugerir essa:
"Somente a honestidade possível, embrulhada num papel pardo de ironia. Afinal, dezembro não precisa ser um memorial: pode ser apenas um bom texto.”
Caramba, Márnei… … eu não estava preparado pra esse texto!!!!!!!!!!!!!
Dezembro não precisa e não deve ser um memorial mesmo. Amei o texto!
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