terça-feira, 24 de dezembro de 2019

CRÍTICA | Divagando com Sissi e Sinara Foss


No final deste semestre, na disciplina "Literatura de Autoria Feminina", que integra a grade curricular da minha nova pós-graduação (Língua, Literatura e Ensino: Teoria e Prática, da FURG), fomos instigados a escrever um artigo sobre alguma autora. Claro que escolhi uma conterrânea: Sinara Foss. O foco da análise foi a coleção "Em busca de um mundo melhor", que conta as divagações e aventuras da cachorrinha Sissi. Confiram:

Mais do que encontro, literatura é a palavra artisticamente empregada. E isso a escritora gaúcha Sinara Foss faz com maestria. Conheço Sinara pessoalmente há, pelo menos, dez anos. No entanto, tive contato com suas obras antes disso. De seus escritos, os que mais me chamam a atenção são os cinco volumes da coleção “Em busca de um mundo melhor”, sobre os quais passo a discorrer.

Sinara Foss nasceu no interior de Santo Antônio da Patrulha, na localidade de Taquaral, em 1969. Escreve desde criança. Em 1996, lançou seu primeiro livro, “Memórias de um cachorro velho”. Por gostar muito de animais, além de vegetariana, ajuda a ONG Animal Shelter, sendo uma das fundadoras da mesma, em 2013. Sua paixão por animais, por certo, influencia sua produção literária que, por vezes, pode se confundir com literatura infantil apenas, mas não o é.

Em 2010, é lançado o livro “Divagações de Sissi”. A obra conta a história da cachorrinha Sissi e sua turma de cães e gatos que estão juntos em uma aventura que mescla diversão, crítica e um profundo respeito à vida. O primeiro livro da coleção “Em busca de um mundo melhor” tem como um dos objetivos o entretenimento, na medida em que foi escrita com uma linguagem descontraída, que agrada tanto adultos como adolescentes e, inclusive, crianças. Outra pilastra da obra é a promoção de consciência quanto à importância de se cuidar bem dos animais e do meio ambiente. O livro é escrito em primeira pessoa pela personagem Sissi, ou seja, há a personificação da cachorrinha. É um romance misturado com fábula. Vejamos um trecho:

As pessoas, ao julgarem os animais inferiores e que a única serventia é para serem comidos, usados em pesquisas ou usados como roupas, com seus couros e peles, estão fazendo como os nazistas, que tanto mal fizeram e que ainda hoje envergonham a humanidade por esse crime tão hediondo! Vocês sabem o que é hediondo? É algo grande, grande demais! (p. 56).

Como se nota, há referência a fato histórico que não é de conhecimento de tenra idade, o que mostra a possibilidade de leitura da obra pelo público adolescente e adulto.

A coleção continua com “Sissi e sua turma no futuro” (2011). A turma, agora, viaja para o futuro e depara-se com um mundo muito diferente. Neste novo romance, Foss levanta um tema importante e urgente: a preservação do meio ambiente e das espécies animais e vegetais. O livro deixa um questionamento grande ao leitor: que mundo estamos deixando para as futuras gerações?

No mesmo ano (2011), surge “As divagações continuam”. Nele, a narradora Sissi conta episódios divertidos de cães e gatos que conhecemos nos livros anteriores da série, ou seja, o tom é mais ameno. Todavia Sissi também fala sério e desabafa sobre assuntos importantes que a preocupam, como o abandono de animais e os maus tratos que eles sofrem todos os dias, daí a importância da posse responsável e da castração dos animais de estimação.

“Sissi na África” veio em 2012. A simpática turma desembarca na África, mais precisamente, em Kibera, a maior favela do mundo. O livro apresenta uma abordagem um pouco diferente dos anteriores, mas a mensagem é a mesma: que devemos nos colocar no lugar do próximo, seja ele de que raça, sexo, ou espécie for.

Por fim, anos depois, em 2016, Foss escreve o livro que mais me tocou: “O entardecer de Sissi”. Ela teve uma vida longa e rica; alegrou a família com quem viveu, os amigos que a conheceram pessoalmente ou apenas de longe, os leitores que foram tocados por sua história. Entretanto, chegou o momento de sua morte, tanto nos livros, como na vida real. Sim, os personagens personificados de Sinara Foss, de fato, existem ou existiram: Trata-se de seus bichinhos de estimação. O fim de Sissi é ilustrado por este trecho:

“Eu paro a luta por aqui, amigos. Não pensem com isso que desisti. Não. Não cansei de lutar. Se tivesse saúde, eu permaneceria aqui com vocês por muito mais tempo. Mas nosso corpo, diferente de nosso espírito, não é eterno. Minha hora está chegando, eu sei, eu sinto. Logo, muito em breve, sairei da vida e entrarei para a história” (p. 94).

O livro tocou-me não só como leitor, mas também como educador, eis que tive o prazer de abordá-lo em sala de aula quando trabalhei questões ambientais com meus alunos durante o já “extinto” Ensino Médio Politécnico, no Rio Grande do Sul. Perceber que se consegue fazer com que discentes leiam prazerosamente é algo fantástico, pois damos novo sentido à disciplina de Literatura na escola, não sendo a mesma apenas para períodos literários e classificações.

Além de ser uma voz feminina na literatura, Sinara Foss é uma voz pelos animais e pela educação ambiental, temas tão negligenciados no Brasil atual. Ela é representativa, e espero que seja mais ainda a partir de suas obras e de seu site (http://www.artistasgauchos.com.br/sinarafoss). Ler Foss é ter um encontro com a preocupação na vida futura. Literatura feminina, às vezes, é confundida somente com história de amor, fragilidade e submissão. Não é o que ocorre aqui.

Feminina, ambientalista, didática e significante: essas são minhas palavras para a literatura de Foss.

Referências

FOSS, Sinara. Divagações de Sissi. Porto Alegre: Pragmatha, 2010.
___________. Sissi e sua turma no futuro. Porto Alegre: Evangraf, 2011.
___________. As divagações continuam. Porto Alegre: Evangraf, 2011.
___________. Sissi na África. Porto Alegre: Evangraf, 2012.
___________. O entardecer de Sissi. Porto Alegre: Pragmatha, 2016.

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